domingo, 20 de agosto de 2017

No meu verdejante jardim,
descuidadamente abandonado,
crescem em desordem entrelaçados
arbustos de urze, alfazema e alecrim,
gladíolos e jarros esmagados
sob a grandeza de chifres de veados,
envolvidos com rebentos de jasmim,
ervas daninhas viçosas de orvalho,
manto de azedas amarelo-limão,
desenho sombreado de um carvalho
projectado em movimento lento no chão...
Buxos não aparados cercam a hortelã
e trinco a maçã caída da fortalecida macieira,
debaixo dela durmo, em silêncio a tarde inteira,
eternizando o sono que fora quebrado
pelo romper da manhã.

Acácias, orquídeas, flor costela-de-adão
por borboletas constantemente beijadas,
sardineiras em vermelho misturadas,
com rosas virgens, ainda em botão;
desfloradas por barulhento escaravelho,
com a força de quem procura sobreviver à solidão.
Cardos de tristeza envelhecidos,
trevos de quatro folhas perdidos,
entre rastejantes craveiro e chorão.

De pétalas abertas, sorridentes,
brilhando a céu aberto, em cor garrida,
desnudada, aprumada de corpo inteiro,
ornamentada de beleza-margarida.
Folhas rasgaram o caule e abraçaram-me,
impregnaram-me na alma um doce cheiro...
Preso à terra pela raiz de sua raça,
senti-me estame e em graça,
pelo seu atractivo e sensual gineceu.
Fecundámos-nos mutuamente,
para parir o fruto da sabedoria consciente,
que em nosso ventre em união cresceu.
Senti a cor do verde, o azul do céu,
o odor da terra e dos medos,
senti a vida, medi o tempo, olhei para o fim
perdido no caminho que estava traçado dentro
de mim.
Dancei aos ventos, bebi da chuva, tremi de frio,
Sofri de amor, sangrei de dor, guardei segredos...
No meu jardim pouco cuidado, de natura bravia,
germinaram poucas mas fecundas margaridas.
Nunca murcharam.
Tenho dentro de mim várias vidas
e o buquê de todas elas
é composto por tinta e quatro margaridas.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Talvez neste próximo ano Te devas confrontar com o que não expurgaste De estranho ou impuro de silencioso ou de mistérios E tudo se acum...